O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se prepara para confirmar a condenação de um ex-candidato do PT ao Senado, Miguel Correa, e o julgamento, segundo especialistas, pode servir de precedente para o caso envolvendo o presidente Jair Bolsonaro.
Candidato a uma cadeira no Senado por Minas Gerais em 2018, Correa responde na Corte pelos mesmos crimes eleitorais que o atual chefe do Executivo é investigado: abuso de poder político e econômico.
Assim como Bolsonaro e Mourão, o petista é acusado pelo Ministério Público Federal de ter se beneficiado de dinheiro de empresas que promoveram apoio à sua campanha com a contratação de disparos em massa pelas redes sociais de Kake News a partir de aplicativo desenvolvido por uma agência de publicidade.
No caso de de Miguel Correa a empresa de propaganda era dele próprio e, de acordo com a acusação, teve “aptidão para macular a legitimidade e a normalidade do pleito eleitoral“.
O caso foi suspenso por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Carlos Horbach num momento em que cinco dos sete votos em disputa na Corte já eram desfavoráveis ao filiado do PT, que não foi eleito. O julgamento deve ser retomado nas próximos dias, mas o placar atual já condena Correa.
Para especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Estadão, o resultado desse processo deve servir de precedente contra o atual presidente durante o julgamento das Ações de Investigação da Justiça Eleitoral (AIJE) que podem cassar a chapa Bolsonaro/Mourão.
Atualmente, o TSE possui cinco processos de investigações contra a chapa presidencial vencedora em 2018. Bolsonaro e Hamilton Mourão são acusados de terem se beneficiado de recursos de empresas privadas para disseminar mentiras na internet, ataques hackers e publicidade paga por empresários. As similaridades com os crimes imputados ao petista podem fazer com que a sua condenação sirva de argumento jurídico contra o presidente e seu vice.
“Se o desfecho for desfavorável para o PT, é muito provável que o Bolsonaro esteja na berlinda, porque, no caso dele, os fatos são muito mais graves. Há várias ações, ainda tem o inquérito das fake news, provas emprestadas, com um cenário político desfavorável a ele e evidências robustas“, afirma Ana Carolina Clève, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral. “No caso do Bolsonaro, estamos falando de disparo em massa com financiamento de pessoas jurídicas do empresariado correndo por fora da campanha. É uma chuva de condutas ilícitas.“
No dia 22 setembro, a Corte publicou uma peça informativa sobre a definição e o rito de processamento das ações de investigação. No texto, é relatado que em diversos julgamentos houve cassação de mandatos de prefeitos e governadores por abuso de poder econômico e político, expondo a existência de precedentes importantes que poderiam ser citados contra Bolsonaro. O tribunal menciona, por exemplo, a decisão de novembro de 2020 que tornou inelegível o ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho, hoje no PT, por abuso de poder político.
“Não há como decidir de uma forma em um caso e de forma adversa em outro só porque se trata do presidente da República, ainda mais quando se trata do mesmo ilícito“, diz Clève. “Se a corte acabou de decidir de determinada forma, não há qualquer sentido em mudar de orientação em um espaço tão curto de tempo. Quanto mais recentes, mais provável que esse julgado seja aplicado a um caso futuro. Não é obrigatório, mas, pelo princípio da colegialidade e por questões de segurança jurídica e coerência, é provável que deva repetir.“
No TSE, há a expectativa de que algumas das ações contra o presidente e o vice sejam julgadas ainda no mês de outubro, antes de o relator da ação, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, deixar o cargo após dois anos na função. Apesar do movimento interno para garantir a votação, o Ministério Público Eleitoral (MPE) se manifestou contra a cassação dos atuais chefes do Executivo.
Em documento encaminhado ao TSE na quinta-feira, 14, o vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gonet Branco, defendeu a rejeição das ações contra Bolsonaro e Mourão. Segundo o MPE, “não existem elementos concretos sólidos” que indiquem irregularidades na campanha bolsonarista.
“Os elementos carreados aos autos não são suficientes para a procedência dos pedidos veiculados nas ações de investigação judicial eleitoral“, diz um trecho do documento. “Ainda que os autos tenham recebido novos elementos denotativos de conduta censurável, o que deles se colhe não autoriza a desconstituição dos mandatos eletivos dos representados.“
Em contrapartida, interlocutores dos ministros afirmam que a percepção majoritária no TSE é de que há dois processos mais encaminhados e com provas contundentes capazes de levar à condenação dos ocupantes dos Palácios do Planalto e do Jaburu. Essas ações apuram a contratação de serviços de disparos em massa de mensagens em redes sociais, com o intuito de manipular o resultado das eleições, por meio de notícias falsas financiadas por empresários e grupos privados, o que é proibido pela Justiça Eleitoral.
O advogado Ciro Torres Freitas, mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em responsabilidade na internet, afirma que a eventual condenação do ex-candidato petista às vésperas do julgamento da chapa presidencial deve ser um fator determinante para os ministros decidirem se a mesma condenação se aplica a Bolsonaro e Mourão. Freitas destaca, porém, que a pena eventualmente imposta a Miguel Correa não será vinculante ou de repercussão geral, ou seja, o tribunal não precisará segui-la obrigatoriamente em casos semelhantes no futuro.
“A decisão do TSE contra o petista é um precedente contra Bolsonaro no sentido de que, se o caso é similar, o tribunal vai olhar para essa decisão e tomá-la como um dos fatores ao julgar a ação. Mas não é um precedente que vincule o tribunal a decidir do mesmo jeito“, afirma. “Mesmo que uma decisão não seja vinculante, se o tribunal tomou essa decisão há pouco tempo, a tendência é que ele mantenha o posicionamento em casos similares.“
Para o TSE, a comprovação de interferência no resultado das eleições e os benefícios que o crime gerou ao candidato bastam para fixar a pena de inelegibilidade e a cassação do mandato, mesmo que o representante eleito não tenha combinado diretamente o esquema com os autores. A tendência é que uma decisão desfavorável ao principal partido de oposição ao governo Bolsonaro municie os ministros a punirem a chapa presidencial eleita.
“Analisando os dois casos, parece que a semelhança está além das tecnologias envolvidas. Acredito que ambos se referem, essencialmente, à verificação dos gastos de campanha financiados por pessoas jurídicas, o que é vedado no Brasil desde 2015“, avalia Diogo Rais, professor de direito eleitoral e digital da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “É mais um precedente neste sentido. Temos muitos nesta linha, talvez a diferença desta vez é que o objeto é semelhante diante da tecnologia.“