Um grupo de 11 senadores democratas dos Estados Unidos enviou uma carta ao presidente Donald Trump apontando “preocupações com o claro abuso de poder” das ameaças feitas pelo governo estadunidense contra o Brasil. Os parlamentares relacionam as incoerências dos argumentos do mandatário com o objetivo legal das tarifas e os efeitos adversos da medida.

Em carta enviada ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Trump justificou a imposição de uma tarifa de 50% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil para os Estados Unidos, pela sua insatisfação com o andamento do processo judicial contra o aliado ideológico e ex-presidente, Jair Bolsonaro. Com menos destaque ele falou de liberdade de expressão e uma desvantagem comercial na balança comercial dos dois países, o que não é verdade.
“Interferir no sistema legal de outra nação soberana estabelece um precedente perigoso, provoca uma guerra comercial desnecessária e coloca cidadãos e empresas americanas em risco de retaliação”, diz o documento, que continua: “Usar todo o peso da economia americana para interferir nesses processos em nome de um amigo é um grave abuso de poder, enfraquece a influência dos EUA no Brasil e pode prejudicar nossos interesses mais amplos na região” e demonstra “a disposição de sua administração em priorizar sua agenda pessoal em detrimento dos interesses do povo americano”.
Os senadores apontaram que o comércio americano com o Brasil sustenta 130 mil empregos nos Estados Unidos e que a ação “aumentariam os custos para as famílias e empresas americanas”.
Outra preocupação dos senadores é o possível e provável rearranjo do comércio internacional brasileiro que, com o fechamento do mercado norte-americano, pode e deve se aproximar da China, maior adversário econômico dos EUA.
"Uma guerra comercial com o Brasil também aproximaria o país da República Popular da China (RPC) em um momento em que os EUA precisam combater agressivamente a influência chinesa na América Latina", citou a carta.
A ofensiva dos parlamentares se une a um movimento que vêm sendo observado nas últimas semanas. Organizações estadunidenses têm se posicionado contra as agressões de Trump e apontado o risco das ações diplomáticas e comerciais tomadas por seu governo. Em 15 de julho, por exemplo, a US Chamber, maior entidade de representação empresarial dos Estados Unidos, defendeu uma negociação entre os países e apontou que a taxação “impactaria produtos essenciais para as cadeias de suprimentos e os consumidores dos Estados Unidos, aumentando os custos para as famílias e reduzindo a competitividade das principais indústrias americanas”.
Leia tradução da íntegra da carta:
"Prezado Presidente Trump,
Escrevemos para expressar sérias preocupações sobre o claro abuso de poder presente em sua recente ameaça de iniciar uma guerra comercial com o Brasil. Os Estados Unidos e o Brasil têm questões comerciais legítimas que devem ser discutidas e negociadas. No entanto, a ameaça de tarifas feita por sua administração claramente não se refere a isso. Tampouco se trata de um déficit comercial bilateral, já que os EUA tiveram um superávit de US$ 7,4 bilhões em bens com o Brasil em 2024 e não registram déficit comercial com o país desde 2007.
Na verdade — como o senhor afirma explicitamente em sua carta ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva — a ameaça de impor tarifas de 50% sobre todas as importações do Brasil e a ordem para que o Representante de Comércio dos EUA inicie uma investigação sob a Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 têm como principal objetivo forçar o sistema judiciário independente do Brasil a interromper a acusação contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Interferir no sistema legal de uma nação soberana estabelece um precedente perigoso, provoca uma guerra comercial desnecessária e coloca cidadãos e empresas americanas em risco de retaliação. O Sr. Bolsonaro é um cidadão brasileiro sendo processado nos tribunais brasileiros por ações alegadamente cometidas sob jurisdição nacional. Ele é acusado de tentar minar os resultados de uma eleição democrática no Brasil e de planejar um golpe de Estado.
Usar todo o peso da economia americana para interferir nesses processos em favor de um amigo é um grave abuso de poder, enfraquece a influência dos EUA no Brasil e pode prejudicar nossos interesses mais amplos na região. O anúncio de sua administração em 18 de julho de 2025, de sanções de visto contra autoridades judiciais brasileiras envolvidas no caso do Sr. Bolsonaro, indica — mais uma vez — a disposição de sua administração em priorizar sua agenda pessoal em detrimento dos interesses do povo americano.
Suas ações aumentariam os custos para famílias e empresas americanas. Os americanos importam mais de US$ 40 bilhões por ano do Brasil, incluindo quase US$ 2 bilhões em café. O comércio entre EUA e Brasil sustenta cerca de 130 mil empregos nos Estados Unidos, que estão em risco diante da ameaça de tarifas elevadas. O Brasil também prometeu retaliar, e o senhor prometeu retaliar em resposta — o que significa que os exportadores americanos sofrerão e os impostos sobre importações para os americanos aumentarão além do nível de 50% que o senhor ameaçou.
Uma guerra comercial com o Brasil também aproximaria o país da República Popular da China (RPC) em um momento em que os EUA precisam combater agressivamente a influência chinesa na América Latina. Empresas estatais e ligadas ao Estado chinês estão investindo fortemente no Brasil, incluindo vários projetos portuários em andamento. Recentemente, o China State Railway Group assinou um Memorando de Entendimento para estudar um projeto ferroviário transcontinental.
Essas considerações não são exclusivas do Brasil. Em toda a América Latina, a RPC está trabalhando para ampliar sua influência por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota. Estamos preocupados que suas ações para minar um sistema judicial independente apenas aumentem o ceticismo em relação à influência americana na região e deem mais credibilidade à agenda de autoridades e empresas estatais chinesas. A mesma tendência também está ocorrendo no Leste e Sudeste Asiático.
Os objetivos principais dos EUA na América Latina devem ser o fortalecimento de relações econômicas mutuamente benéficas, a promoção de eleições democráticas livres e justas e o combate à influência da RPC. Instamos o senhor a reconsiderar suas ações e a priorizar os interesses econômicos dos americanos, que desejam previsibilidade — não outra guerra comercial".
Atenciosamente,
Tim Kaine, Senador dos Estados Unidos
Jeanne Shaheen, Senadora dos Estados Unidos
Adam B. Schiff, Senador dos Estados Unidos
Richard J. Durbin, Senador dos Estados Unidos
Peter Welch, Senador dos Estados Unidos
Kirsten Gillibrand, Senadora dos Estados Unidos
Mark R. Warner, Senador dos Estados Unidos
Catherine Cortez Masto, Senadora dos Estados Unidos
Michael F. Bennet, Senador dos Estados Unidos
Jacky Rosen, Senadora dos Estados Unidos
Raphael Warnock, Senador dos Estados Unidos